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Publicado em 09 de agosto de 2012 às 10h16min
Tag(s): Carreira Docente
Carta assinada por professores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), enviada ao JC Email.
Diante das discussões ora em curso sobre as propostas de carreira para os professores das universidades federais do País, discussões essas que fundamentam as posições que levaram a um impasse nas negociações entre os representantes dos professores e do governo brasileiro acerca do tema, nós, um grupo de professores da Faculdade de Educação da UFMG, gostaríamos de explicitar nossa posição acerca dos princípios a partir dos quais tal carreira deveria ser pensada.
Em primeiro lugar, cabe-nos ressaltar que a Carreira dos Professores das IFES deve explicitar e operacionalizar as especificidades que marcam a atuação, a organização do trabalho e as responsabilidades dos docentes das universidades. Decorre daí que nossa carreira deve dialogar com os princípios que fundam a administração do pessoal do ente público federal brasileiro - ou seja, deve ser isonômica com as demais carreiras do funcionalismo público dentro do Estado de Direito - e, por outro lado, deve levar em conta os elementos que marcam a nossa especificidade.
A definição do que é peculiar, no trabalho dos professores leva-nos a pensar não apenas no ensino, na pesquisa, na extensão e na administração universitárias, mas também na construção de uma carreira que leve em conta as responsabilidades e autoridades acadêmicas construídas pelos sujeitos em suas trajetórias pessoais e institucionais. Neste sentido, achamos que a nossa carreira deve levar em conta os atributos e prerrogativas advindas com a titulação, por exemplo, mas também àqueles que valorizem os esforços pessoais reconhecidos e consagrados pelo mérito acadêmico.
Assim, defendemos que nossa carreira tem que considerar, como elemento fundamental para a progressão, não apenas os interstícios temporais, mas também a titulação e produção acadêmica em suas variadas formas, já consagradas pela comunidade acadêmica.
O inegável avanço na qualidade da Universidade pública brasileira tem se assentado, entre outros fatores, no investimento na capacitação docente e no reconhecimento que a atividade de pesquisa constitui dimensão inerente da docência no ensino superior público.
A tarefa da Universidade é produzir e socializar conhecimento, sendo que ambas dimensões se alimentam na prática docente, qualificando o trabalho conduzido em sala de aula e alimentando o exercício investigativo. A qualificação docente dá-se por meio da formação em pesquisa, mas também na busca da titulação por meio da produção de dissertações. Tais produções não apenas visam contribuir para a produção do conhecimento, mas também municiar o docente de ferramentas básicas para o exercício investigativo e para a orientação de novos pesquisadores.
Se hoje a UFMG constitui uma das principais Universidades do País, tanto em ensino quanto em pesquisa, é porque investiu de maneira consistente e substantiva na qualificação do seu corpo docente. Se muitas das Universidades brasileiras, principalmente as que foram recentemente abertas no interior do programa Reuni, não apresentam a mesma excelência, nem os mesmos índices de qualificação, cabe ao governo federal, no diálogo com as Universidades e seus órgãos de fomento, garantir condições para que os docentes recém ingressos se qualifiquem.
Assim é que na leitura da proposta de carreira do Andes estranha-nos que se faça a defesa da ascensão vertical para os níveis de adjunto e associado sem que se considere a necessidade do título de doutor para tal. Mais estranha ainda é a defesa da não exigência de titulação para o grau de titular e, neste caso, estranha-nos, também, a defesa da não exigência da apresentação de memorial ou tese, mecanismo consagrado nas melhores tradições acadêmicas.
Entendemos que tal defesa constitui um retrocesso em tudo que a Universidade, por meio do trabalho de seu corpo docente, fez avançar nos últimos anos. Fazer a defesa da carreira ancorada em critérios de titulação constitui defesa da qualidade da Universidade pública.
Entendemos, por fim, que o cargo, o título e a função do Professor Titular deveriam não apenas ser preservados, mas também passar por um processo de discussão interna de tal forma que se vissem fortalecidos em suas responsabilidades e autoridades acadêmicas. Por isso, somos contrários ao esvaziamento da posição de Professor Titular, seja por considerá-la apenas mais um nível da carreira a que todos, com o tempo, podem chegar, seja pela diluição do perfil daqueles que poderiam vir a ocupá-la, seja, por meio da desconstrução dos mecanismos de avaliação dos candidatos a tal nível da carreira. Tal esvaziamento em nada contribui para o fortalecimento científico-acadêmico de nossas universidades, além de fragilizar-nos em nossas relações com nossos pares estrangeiros, uma vez que em quase todo o mundo existe a figura do professor titular ou com alguma outra equivalência, como é o caso do Professor Catedrático.
Considerando as questões acima indicadas, parece-nos que uma proposta de carreira docente, que contemple as condições para a qualidade acadêmica, deve ser objeto de discussão mais aprofundada, em fórum apropriado. Nessa direção, concordamos com a criação de um grupo de trabalho, propondo que este seja constituído por representantes dos diferentes atores: MEC, Sindicato Nacional, Andifes e Associação Científica, tendo como tarefa a produção de um plano de carreira a ser reapresentado às Universidades num prazo de seis meses. Propomos também que este se debruce sobre as condições de implantação do Reuni e seu impacto nas condições de trabalho docente.
Belo Horizonte, 27 de julho de 2012
Maria Cristina Soares de Gouvea
Maria de Fátima Cardoso Gomes
Luciano Mendes de Faria Filho
Eduardo Fleury Mortimer
Bernardo Jefferson Oliveira
Fonte: Jornal da Ciência