Pesquisas sobre a gripe aviária serão retomadas

Publicado em 28 de janeiro de 2013 às 12h07min

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 Apesar de invisível, o vírus H5N1, causador da gripe aviária, não só existe como vem se modificando ao longo dos anos para aumentar sua capacidade de disseminação. A ameaça latente pode se tornar realidade e evoluir para uma pandemia caso o micro-organismo pegue a comunidade científica de surpresa. Os estudos sobre as mutações genéticas do H5N1, contudo, ficaram um ano parados devido a uma decisão conjunta de 40 pesquisadores de três continentes, nenhum deles do Brasil. O alvo do protesto foi uma recomendação do Painel Científico Consultivo para Biossegurança Nacional dos Estados Unidos, que aconselhou a não divulgação dos estudos. A justificativa era de que bioterroristas poderiam usar as informações para criar armas químicas, mas os cientistas interpretaram o ato como uma censura. Agora, em uma publicação conjunta nas revistas Nature e Science, eles anunciaram que vão voltar com as investigações, exceto nos Estados Unidos.
A retomada das pesquisas é considerada fundamental porque o vírus da gripe aviária pode ser mais devastador que o H1N1, que causou um surto de gripe suína em 2009. A variante manifesta-se em aves e, eventualmente, pode ser transmitida para humanos, com uma taxa de mortalidade que chega a 60%. Uma vez infectada, porém, a pessoa não transmite o vírus para outra, o que praticamente elimina o risco de epidemias. No caso de mutações, contudo, o quadro pode ficar diferente. Já existem três cepas do H5N1 em circulação, sendo que uma delas é a combinação entre as duas primeiras. Um dos estudos que ajudou a levantar a polêmica mundial sobre a divulgação de dados constatou que bastam 10 mutações para que o vírus seja transmissível entre humanos e outros mamíferos.
Em janeiro do ano passado, contudo, pesquisas como essa, realizada pelo Centro Médico Erasmus, na Holanda, foram interrompidas, como forma de protesto. A suspensão dos experimentos que deveria ser mantida por 60 dias, acabou se estendendo por um ano. Em maio de 2012, a Nature finalmente publicou o trabalho de Yoshihiro Kawaoka, da Universidade de Tóquio, que encabeçou o movimento com o holandês Ron Fouchier. No mês seguinte, foi a vez de a Science divulgar o artigo do Centro Médico Erasmus. A publicação dos estudos, contudo, não significou a retomada das pesquisas, que só recomeçarão agora.
Ontem, o tom de pesquisadores ficou mais sereno. Em uma teleconferência com a imprensa, eles afirmaram que a pausa nos estudos foi importante para que se questionassem os riscos e os benefícios desse tipo de investigação. Além do bioterrorismo, foi levantada a possibilidade de cepas desenvolvidas infectarem, acidentalmente, algum cientista. "A suspensão foi decretada para dar tempo de fazer uma discussão sobre esse tipo de pesquisa e tenho certeza de que o objetivo foi alcançado. Houve muita discussão. Então, naqueles países que já se posicionaram, as pesquisas precisam continuar", disse Richard J. Webby, virologista do Hospital St. Jude e diretor do Centro de Estudos sobre Ecologia da Influenza em Animais e Pássaros, um instituto colaborador da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Nos Estados Unidos, contudo, o governo não se manifestou oficialmente e os cientistas que investigam o H5N1 no país ou com financiamento americano continuarão de braços cruzados. Entre eles, Yoshihiro Kawaoka, um dos principais pesquisadores das mutações do vírus. Ron Fouchier, do Centro Médico Erasmus, revelou que o instituto também recebia contribuições financeiras dos EUA. Mas as pesquisas serão retomadas em breve na Holanda porque parte do dinheiro envolvido vem da União Europeia, que viu mais benefícios do que riscos nesse tipo de trabalho.
Fouchier reiterou o que tem falado há um ano: "O risco de um artigo ser mal utilizado é muito, muito pequeno, se não inexistente. Até porque o resultado dos primeiros estudos já foi publicado e não existe qualquer informação de que esses artigos tenham alimentado pessoas que estavam mal-intencionadas quanto ao uso desse tipo de vírus".
Protocolos rígidos De acordo com os cientistas, a probabilidade de uma variante do H5N1 sair acidentalmente do laboratório e desencadear uma epidemia é mínima, pois os protocolos de pesquisa são extremamente rígidos quanto à segurança. No caso de vírus, é preciso obedecer às diretrizes do tipo BSL-3, estipuladas pela OMS, que lista uma série de procedimentos a serem adotados. Ainda assim, desde 2003, foram registrados três incidentes com o vírus da síndrome respiratória aguda grave (SARS), que escapou do tubo de ensaio na China e em Cingapura. Em um dos casos houve morte. Fouchier garante que quanto ao H5N1 a situação é outra. "Esses incidentes ocorreram em laboratórios que não estavam operando de acordo com as condições BSL-3. As pessoas comiam sanduíche lá. Estudantes podiam entrar sem qualquer treinamento. Secretárias entravam nos laboratórios, pegavam amostras e saíam com elas. Esse tipo de coisa não deve acontecer sob o protocolo BSL-3", diz.
Fouchier afirma também que os laboratórios onde foram feitas pesquisas de manipulação genética do H5N1 são ainda mais seguros do que estipula o BSL-3. "Em um laboratório sob essa condição, os gabinetes ficam abertos. Então, o vento sopra sobre eles. Mesmo que, em princípio, o vírus não consiga sair, ainda assim é um gabinete aberto. Nas nossas instalações, eles são fechados. As pessoas trabalham com roupa de astronauta, fazendo uma barreira entre elas e os vírus. Temos múltiplas camadas protetoras", garante. "Além disso, se um acidente ocorrer e um indivíduo for contaminado, temos todo um processo de isolamento, resposta e tratamento. Todos esses detalhes estão especificados em protocolos de biossegurança", completa Yiohihiro Kawaoka.
Apesar do anúncio de retomada das pesquisas, Fouchier informou que os estudos estão liberados, mas ainda não há previsão de quando recomeçarão. "Certamente, não vamos reiniciar os experimentos hoje. Leva tempo para recuperar pesquisas que estão paradas desde janeiro de 2012. Mas não devem levar meses, talvez já nas próximas semanas", disse.
De acordo com ele, o próximo passo, depois da identificação de mutações que podem fazer com que o vírus seja transmissível entre humanos, é identificar exatamente quais variantes são suficientes para que isso aconteça. "Queremos também descobrir se essas mutações em particular poderão deflagrar um outro tipo de gripe aviária", disse. O japonês Kawaoka lembrou que, a partir daí, os cientistas poderão começara a desenvolver vacinas específicas para o H5N1 e suas variantes.

Efeito colateral
Pelo menos 800 crianças na Europa desenvolveram narcolepsia, desordem incurável do sono, após receberem em 2009 a vacina Pandemrix, da britânica GlaxoSmithKline (GSK), contra a gripe suína. A doença causa sonolência profunda. O chefe de vacinas da GSK disse que a empresa "está comprometida a investigar as causas", mas acrescentou que não há dados para comprovar uma ligação entre a vacina e os surtos. A Pandemrix foi ministrada em 30 milhões de pessoas em 47 países, durante a pandemia mundial de gripe suína de 2009-2010. O Ministério da Saúde afirma que a vacina não foi utilizada no Brasil.

Morrem 60% das pessoas infectadas
A gripe aviária é uma infecção causada pelo vírus H5N1, que ocorre naturalmente entre aves. Pássaros selvagens ao redor de todo o mundo carregam o micro-organismo no intestino, mas não costumam adoecer. Contudo, o vírus é altamente contagioso e pode ser transmitido para animais domesticados, como patos, galinhas e perus. Nesses casos, os sintomas se manifestam e há um alto índice de mortalidade. Os pássaros podem transmitir o vírus por meio de saliva, secreções nasais e fezes, infectando aves domésticas por meio de secreções ou excrementos contaminados. Há duas principais formas da doença, diferenciadas pela baixa ou alta virulência. No primeiro caso, os sintomas são mais brandos, com queda de penas e diminuição do número de ovos.
Contudo, a forma altamente patogênica se espalha rapidamente entre bandos de aves. Em 48 horas, o animal infectado sofre falência múltipla de órgãos e até 100% da granja pode morrer. Desde 1997, foram confirmados centenas de casos de infecção por H5N1 em humanos. Embora uma pessoa não passe o vírus para outra, ele está em mutação, de acordo com uma pesquisa do Centro Médico Erasmo, na Holanda. Depois de rever dados de pandemias de gripe ocorridas em 1918, 1957 e 1968, os cientistas descobriram que em cada uma delas houve mudanças nos genes hemaglutina e polimerase, cruciais para a replicação eficiente dos vírus em humanos e outros mamíferos. Em seguida, os pesquisadores inseriram essas variantes no H5N1 e infectaram furões. Animais doentes e saudáveis foram colocados em gaiolas próximas para verificar se a doença poderia ser passada adiante por partículas aéreas. Foi o que ocorreu. Os cientistas destacaram que a gripe aviária transmitida aos furões não se mostrou letal e eles conseguiram se recuperar.
Não há como prever, porém, se o mesmo ocorreria entre humanos. Nos casos de pessoas infectadas por aves, a taxa de mortalidade associada ao vírus é alta, de 60%.

Fonte: SBPC

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